As mídias digitais vêm transformando o espaço do indígena na política brasileira, permitindo que líderes rompam barreiras históricas e ampliem suas vozes nas eleições.
Em um cenário de marginalização política, as plataformas digitais têm possibilitado que candidatos indígenas possam divulgar suas campanhas de forma eficaz, resistindo não só no âmbito político, mas também no âmbito da comunicação tradicional, em uma sociedade que ainda reproduz discursos coloniais.
Do silêncio à representatividade
Historicamente, a representatividade indígena na política é pequena, devido às limitações impostas e oriundas de um passado excludente. Apenas durante as últimas décadas pessoas indígenas conseguiram adentrar o cenário político.
Mario Juruna foi primeiro deputado federal indígena, eleito em 1982. Com sua entrada na política, criou a Comissão Permanente do Índio no Congresso Nacional – atualmente atestada como Comissão dos Direitos Humanos e Minorias - que levou ao reconhecimento nacional e mundial dos abusos sofridos pelo povo indígena no Brasil.

Outro marco importante na história política do país foi a eleição de Joênia Wapichana, a primeira mulher indígena eleita deputada federal, em 2018. Joênia é atual presidente da Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai), sendo também a primeira mulher a exercer o cargo.

De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, as candidaturas de pessoas indígenas aumentaram entre os anos de 2016 e 2020, principalmente em locais com terras demarcadas, com um crescimento de 11%. E agora, nas eleições de 2024, o número de registros subiu de 2.172 candidatos para 2.479 - cerca de 14,13% a mais que 2020. Índice ainda baixo, porém, significativo e diretamente relacionado à luta por direitos dessas comunidades.
Com o aumento do número de candidatos indígenas, houve também uma crescente utilização das mídias digitais por parte deles, visando dar visibilidade à sua cultura, conquistar espaço na política e promover mudanças na estrutura social.

“As redes sociais, principalmente, vieram pra gente poder democratizar esse espaço e alcançar as pessoas através das redes. Então sim, de fato, as mídias sociais contribuíram muito pra eleição passada, onde eu tive uma votação muito boa e a gente pôde mapear esses votos e identificar que parte deles vieram por conta das redes sociais. E agora, nessa campanha, eu vejo que eu estou conseguindo ampliar mais ainda esse possível voto através delas, e poder alcançar pessoas que podem vir votar em uma candidatura indígena”, diz Nice Tupinambá, candidata à vereadora em Belém pelo PSOL, ex-deputada, jornalista e ativista indígena do povo Kamutá Tupinambá.
"Através desses meios a gente tá podendo contar a nossa própria história, histórias de violência, de estupro, de colonização. E é por isso que nós também queremos entrar pra política, não só pra uma representação nossa como povo indígena, não só pra pensar políticas pra nós. Mas também pensar um projeto que envolva todo mundo, por que uma coisa está ligada á outra”
Barreiras a serem superadas
Apesar das inúmeras oportunidades que as mídias digitais oferecem, o uso dessas plataformas por candidatos indígenas ainda enfrenta desafios. A desinformação e as Fake News, derivadas da discriminação, afetam as campanhas eleitorais por meio da distorção de mensagens, com o intuito de descredibilizar os candidatos. Nice Tupinambá é um exemplo. A candidata foi alvo de notícias falsas em 2022. Os ataques foram realizados por um portal de notícias, o qual afirmou na época que sua candidatura não era essencialmente indígena por não constar na Bancada do Cocar e foi invalidada devido a um mal-entendido. Entretanto, a notícia falaciosa foi suspensa e o autor processado.
“A minha candidatura foi atacada aqui, mas tiveram outras que foram atacadas pelo Brasil. A gente entrou com um processo contra eles por causa das fake news, ataques racistas e violência política. Isso gerou vários comentários com todos aqueles estereótipos que são empregados contra nós.”
Além da discriminação, existem outros obstáculos que comprometem as candidaturas indígenas.
A desigualdade do acesso às plataformas digitais em muitas comunidades - onde a conexão com a internet pode ser precária - impede que essas pessoas fiquem bem-informadas e limita sua participação ativa no cenário político. Isso reduz o alcance das campanhas e dificulta a comunicação entre os candidatos e eleitores indígenas. Além disso, algumas das comunidades que já possuem o acesso a essas redes, ainda carecem de educação digital e são constantemente afetadas pela desinformação.
Segundo Ariene Susui, jornalista e ativista indígena do povo Wapichana, é necessário que o Poder Público desenvolva soluções para superar as barreiras que limitam o acesso das comunidades às mídias digitais, e também forneça educação digital para que esse acesso não seja prejudicial.
“Quando a gente fala de acesso, a gente também fala de educação, e quando a gente fala de educação, a gente fala de políticas públicas. Isso tem que ser um plano conjunto. E existe também outro ponto que não é só o acesso, é também a questão de educação para esse acesso. É de ter uma preparação pra que os povos indígenas tenham junto com acesso a educação digital e que isso seja discutido de uma forma séria com o Poder Público, porque a internet tem seu lado bom e seu lado ruim”, diz Ariene.

Além disso, ela destaca que a desinformação chega nas comunidades da mesma forma que chega para a sociedade no geral, porém, acaba se espalhando rapidamente, impactando de forma muito negativa os indivíduos.
“A partir de quando chega nas comunidades indígenas a desinformação, ocasiona sérios problemas. Na época da Covid-19 muitas pessoas não queriam se vacinar, é um processo que chega pelo WhatsApp, pelo Facebook, pelo Instagram. Isso tem um impacto muito grande na comunidade porque tem um contexto social que tem bastante proximidade. Então, quando tem uma desinformação, ela acaba se expandido um pouco mais rápido.”
Ariene, ainda, ressalta o trabalho de comunicadores e jornalistas indígenas nesse processo de combate.
“Hoje os comunicadores e jornalistas indígenas têm trabalhado muito em cima disso. Em levar conteúdo, em falar sobre propostas de leis. E isso tem sido fundamental nos territórios. […] De falar também nas línguas indígenas. Porque as comunidades indígenas hoje falam nas suas línguas, então também tem essa dificuldade de elas terem acesso às informações nas suas línguas, delas poderem ouvir as informações nas suas línguas.”
A desinformação oriunda do meio digital acaba sendo um dos principais desafios para os candidatos indígenas.
Início de um novo cenário político
Mesmo com os desafios apresentados, as mídias digitais continuam realizando mudanças no cenário político brasileiro possibilitando a presença indígena nesse âmbito. À medida em que líderes indígenas acessam essas plataformas, e aprimoram suas estratégias e campanhas, é esperado que cada vez mais candidatos consigam se eleger para lutar a favor dos seus direitos, que foram negados por anos. A era digital, portanto, oferece um futuro promissor para essa representatividade que ainda é pequena, mas pode se tornar maior ao longo do tempo.
Por Karinne Lins
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