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A Amazônia que não entra na COP

  • Foto do escritor: Revista Cabanos
    Revista Cabanos
  • há 17 horas
  • 4 min de leitura

Por Diogo José, Ludymila Maia e Wellington Vidal

Ao se falar de discussões sobre as mudanças climáticas, sobretudo para a Amazônia, que é

uma pauta constante, é comum escutarmos que a COP30 é para a Amazônia e visa enxergar as problemáticas das crises climáticas. No entanto fica o questionamento: Será que a COP enxerga todos que fazem parte da Amazônia? 


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Foto: Diego Gurgel/SECOM

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) acontece este ano no Brasil, em Belém do Pará, entre os dias 10 e 21 de novembro. Este é o maior evento global das Nações Unidas para discussão e negociações intergovernamentais sobre mudança climática. É organizada no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, em inglês, ou ONU Mudança Climática). A expectativa é que o evento apresente um avanço na implementação das decisões já acordadas ao longo de mais de 30 anos de negociações e defina mecanismos efetivos de: financiamento climático para países em desenvolvimento; adaptação às emergências climáticas; transição para modelos de desenvolvimento sustentáveis e justos.


O que é mais contraditório, diante da dimensão de um evento como a COP30, é que não são todos os territórios amazônicos que estão contemplados, entre eles o Acre e outras regiões ficam de fora das discussões. É como organizar uma festa e não avisar quem ajudou a pagar o “bolo”.


Ângela Mendes, filha do seringueiro e ativista ambiental Chico Mendes, acredita que esse protagonismo da Amazônia e das populações tradicionais precisa estar no centro do debate. Quando Ângela participou do Balanço Ético Global (BEG) para América Latina, América do Sul e Caribe, em Bogotá, na Colômbia, no dia 21 de agosto, foi possível verificar que não há solução justa para a emergência climática sem a inclusão direta das populações tradicionais nos espaços de decisão.


Quando se observa o Acre a partir de um olhar mais atento, é possível perceber o quanto ele e o Norte do país, de modo geral, permanecem à margem das narrativas nacionais. A região costuma ser reduzida a estereótipos, a floresta intocada, os rios grandiosos, a biodiversidade exótica, que reforçam uma visão distante e simplificada. Essa representação, embora pareça positiva, apaga dimensões fundamentais da vida amazônica: as pessoas, suas culturas, suas lutas e os desafios concretos que enfrentam no cotidiano.


Localizado na tríplice fronteira com Bolívia e Peru, o estado acreano tem papel estratégico na integração amazônica e no diálogo entre países que compartilham a mesma floresta. Ainda assim, raramente é lembrado como protagonista nessas agendas. Quando aparece, é muitas vezes como sinônimo de isolamento geográfico, um ponto longínquo no mapa, e não como um espaço de produção de conhecimento, inovação e resistência cultural.


As condições de infraestrutura e acesso também revelam desigualdades dentro da própria Amazônia. Enquanto cidades como Manaus e Belém concentram investimentos e visibilidade, o Acre enfrenta desafios distintos, rodovias precárias, deslocamentos longos, dificuldades de comunicação e acesso a serviços básicos. Essa diferença interna é frequentemente ignorada por políticas públicas que tratam a Amazônia como um bloco homogêneo, desconsiderando as múltiplas realidades que coexistem em seu território.


Outro ponto que escapa ao olhar externo é a centralidade dos povos indígenas acreanos nas discussões sobre meio ambiente e mudanças climáticas. Pajés, lideranças espirituais e organizações indígenas têm papel ativo em pautas que vão muito além da preservação: envolvem espiritualidade, educação, economia da floresta e soberania territorial. Lideranças como as do povo Huni Kuin, Ashaninka e Puyanawa vêm mostrando que a floresta não é apenas um recurso natural, mas um modo de vida.


Ouvir essas vozes é essencial para compreender o que realmente se passa na região. Ambientalistas, pesquisadores e comunicadores locais têm alertado para a necessidade de um novo olhar, um olhar que reconheça as singularidades e a potência do Acre dentro do mosaico amazônico. Dados de instituições como o IBGE e o MapBiomas mostram que o estado mantém mais de 80% de seu território preservado, mas enfrenta desigualdades urbanas e socioeconômicas que exigem políticas específicas.


Dentro da própria Amazônia, há muitas “Amazônias” coexistindo com ritmos, histórias e contradições próprias. Entender o Acre a partir dessa perspectiva é dar visibilidade a uma parte do país que, embora distante dos centros de decisão, tem muito a dizer sobre o presente e o futuro da floresta e de quem vive nela.


A pergunta que ecoa, ao fim de cada debate sobre o clima, é inevitável: “de quem é a Amazônia que o mundo vê?” De quem é a Amazônia que ganha discursos nas cúpulas, que aparece em painéis, que ilustra campanhas internacionais? Quem é autorizado a falar por ela, e quem continua sendo silenciado?


Nos fóruns globais, a Amazônia costuma aparecer como símbolo de urgência planetária, mas quase nunca como território de vida. Se fala da floresta como “pulmão do mundo”, mas pouco se ouve o coração que bate dentro dela. Se fala de biodiversidade, mas não das comunidades que a mantêm viva. Se fala em preservar, mas raramente se escuta quem há séculos preserva, os povos indígenas, ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, juventudes das periferias urbanas, mulheres que sustentam redes comunitárias e culturais.


É justamente por isso que o debate climático precisa ir além das fronteiras políticas e dos convites oficiais. Não há transição ecológica justa se a Amazônia for tratada como cenário e não como sujeito. E não há resposta global possível sem a escuta das vozes locais. Cada território amazônico guarda uma narrativa própria, e todas elas precisam caber dentro da pauta climática, sem hierarquias nem recortes que reforcem desigualdades.


O Acre é um lembrete de que a Amazônia não cabe em um mapa simplificado. Está nas margens do Brasil, mas no centro da floresta. É fronteira entre países, culturas e modos de existir. Tornar visível o Acre, e tantas outras Amazônias invisibilizadas, é também resgatar o direito de falar sobre si, de ser ouvido e de participar da construção de soluções para o próprio futuro.


Esse espaço de reflexão nasce para reunir vozes que compartilham uma mesma urgência: a de existir plenamente. Porque a Amazônia não é só território. É quem a habita, quem a defende, quem a canta e quem a sonha e enquanto nem todos tiverem lugar à mesa, a Amazônia continuará incompleta.



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