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O futuro da água no Pará: o que está em jogo com a concessão da Cosanpa

  • Foto do escritor: Revista Cabanos
    Revista Cabanos
  • 19 de abr.
  • 5 min de leitura

Por Kauã Ramalho

Decisão de transferir os serviços da Cosanpa à iniciativa privada enfrenta forte oposição e reacende debate sobre a água como direito ou mercadoria


Na última sexta-feira, dia 11 de Abril de 2025, ocorreu o leilão de concessão dos serviços da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) a empresas do setor privado. Criada em 1970, durante o regime militar, a estatal é responsável pela captação, tratamento e distribuição de água, além da coleta e do tratamento de esgoto em boa parte do estado do Pará. Após a venda, a empresa continuará sendo pública, mas com seus serviços administrados por concessionárias selecionadas por meio do leilão. O objetivo do governo estadual com essa decisão, discutida desde 2023, é ampliar o acesso à água e ao tratamento de esgoto no Pará, atendendo às metas estabelecidas pela  Lei Federal  nº 14.026, de 15 de julho de 2020, conhecida como o novo marco legal do saneamento. A lei exige que até 2033 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto. Nesse sentido, o Pará, que apresenta baixos índices de cobertura de água potável e esgotamento sanitário, se viu pressionado a apresentar soluções rápidas que viabilizem o cumprimento dos prazos estabelecidos.


O leilão foi estruturado com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e prevê a concessão de 40 anos para que empresas privadas operem os serviços de água e esgoto em 126 dos 144 municípios paraenses. A proposta dividiu o estado em 4 blocos, agrupando municípios com maior possibilidade de retorno com outros de menor viabilidade econômica, em uma tentativa de equilibrar os investimentos e as regiões beneficiadas pelos serviços. Tais blocos têm valores mínimos de outorga distintos, ou seja, quantias que deverão ser pagas ao Estado para o direito de exploração dos serviços. 

Bloco

Região

Valor Mínimo de Outorga

A

Região Metropolitana de Belém e Marajó

R$ 1,042 bilhão

B

Nordeste do Pará

R$ 19 milhões

C

Oeste do Pará

R$ 400 milhões

D

Sudeste do Pará

R$ 34 milhões

No leilão, a Aegea Saneamento adquiriu os blocos A, B e D, oferecendo valores acima da outorga mínima estabelecida na proposta. Para o Bloco A, o valor pago foi de R$1,17 bilhão; no Bloco B, a oferta subiu para R$140,9 milhões; e no Bloco D, R$117,8 milhões. O Bloco C, que abrange 27 municípios do oeste paraense, não recebeu propostas. Segundo especialistas, o desinteresse se deve à baixa densidade populacional e aos desafios logísticos da região. Nesse sentido, o governo afirmou que pretende relançar o bloco em nova rodada de concessões.


No caso do Bloco A, o edital ainda exigia o pagamento de uma outorga variável, parte da qual será destinada ao custeio de tarifas sociais voltadas a famílias de baixa renda. No entanto, essa configuração levanta preocupações: com blocos muito distintos em termos de estrutura e demanda, há o risco de priorização das áreas mais lucrativas, em detrimento de comunidades rurais e periféricas que mais precisam de acesso básico à água e esgoto. Essa questão é levantada, pois, no próprio projeto de concessão, não há obrigatoriedade de atendimento à população da zona rural do estado, que, segundo dados do IBGE de 2022, representa quase 32% dos habitantes do Pará.


Apesar da promessa de ampliação dos serviços, essa decisão gerou críticas por parte de especialistas, movimentos sociais e da população, devido à falta de transparência quanto ao processo, à possibilidade de aumento nas tarifas e à precarização do serviço, principalmente em áreas de menor interesse comercial. Além disso, discute-se que, em vez de fortalecer a Cosanpa como empresa pública, o governo estadual opta por transferir essa responsabilidade essencial à iniciativa privada, que, acima de tudo, visa o lucro. O episódio ocorrido na vila da barca, no último dia 7 de Abril, em que moradores desafiaram o diretor de Operações da Cosanpa, Antonio Crisóstomo, a beber a água da torneira após ele afirmar que consumia a água da companhia, expôs publicamente a insatisfação com a qualidade dos serviços prestados e levantou dúvidas sobre como empresas privadas agiriam em territórios onde os lucros não são garantidos.


No mesmo dia do leilão, trabalhadores da Cosanpa, organizados pelo Sindicato dos Urbanitários do Pará, realizaram uma paralisação em frente à sede da empresa, no bairro de São Brás, em Belém. O movimento denunciou não apenas a entrega dos serviços da Companhia ao setor privado, mas também a forma como se deu esse processo, que não contou com participação popular e foi conduzido de forma acelerada, atropelando etapas essenciais. Para o Sindicato, a privatização dos serviços representa não só um desmonte da companhia, mas também uma ameaça da perda da soberania sobre um dos maiores aquíferos do mundo, o Sistema Aquífero Grande Amazônia (SAGA). Nesse sentido, o discurso do governo sobre universalização contrasta com os riscos apontados pelos trabalhadores e movimentos sociais, que defendem uma Cosanpa pública, fortalecida e com controle social efetivo.


Manifestantes se reúnem em frente à Cosanpa, em Belém, para protestar contra a privatização da empresa estadual de saneamento. (Foto: André Victor Rêgo Barras/Arquivo pessoal)
Manifestantes se reúnem em frente à Cosanpa, em Belém, para protestar contra a privatização da empresa estadual de saneamento. (Foto: André Victor Rêgo Barras/Arquivo pessoal)

A resistência à privatização também se espalhou por diversos municípios do estado. Em Marabá, por exemplo, houve uma denúncia no Procon local que abriu um inquérito  civil nº 06.2024.00000814-9 pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA). A promotora de Justiça Mayanna Silva de Souza Queiroz conduz a investigação sobre a postura da Cosanpa diante das notificações feitas por consumidores em Marabá. A companhia teria ignorado questionamentos da população sobre a privatização dos serviços no município, o que pode caracterizar violação aos direitos dos consumidores. 


Além disso, outros quatro municípios, Paragominas, Parauapebas, Ananindeua e Canaã dos Carajás, recorreram administrativamente à Procuradoria-Geral do Estado (PGE) solicitando a impugnação do edital de concessão dos serviços da Cosanpa. Todos os pedidos foram negados, com respostas individualizadas a cada município. Entre esses casos, destaca-se o de Paragominas, que já havia se manifestado contra a privatização ainda na fase administrativa, sem sucesso, o que gerou a ação judicial. Para o prefeito Sidney Rosa, a decisão do governo estadual ignora as especificidades locais: Paragominas possui um dos sistemas de abastecimento de água mais eficientes do país, reconhecido nacionalmente, e teme-se que a concessão à iniciativa privada prejudique diretamente a população de mais de 105 mil habitantes, com impactos na qualidade e no acesso ao serviço. 


Por fim, vale destacar que essa decisão tomada pelo governo estadual vai contra uma tendência global de desprivatização de serviços essenciais, especialmente os de saneamento, como resposta a experiências malsucedidas com a gestão privada. Países como Alemanha, França e Bolívia reverteram concessões após constatarem que a promessa de maior eficiência não se concretizou. Em Paris, por exemplo, o tratamento e distribuição de água voltou a ser gerenciado pelo estado em 2010, resultando em uma redução de custos para a população e maior transparência. Esses exemplos fazem parte de um fenômeno que, segundo o estudo Reclaiming Public Services (2017), publicado pelo Transnational Institute (TNI), já contabiliza mais de 270 casos. Assim, ao optar por esse modelo, o Pará pode estar reforçando um caminho já reconhecido por muitos como ineficaz, enfraquecendo e precarizando ainda mais o direito fundamental ao saneamento.


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