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Arquitetura moderna enfrenta desafios em Belém

Foto do escritor: Revista CabanosRevista Cabanos

Por Julio Negrão e Marina Vale

 

Edificações que pulsavam em meados dos anos 60 estão desaparecendo


Foto: Google Street View
Foto: Google Street View

O desprezo por imóveis da era moderna é frequente na capital paraense. Diversas edificações históricas da cidade estão totalmente desgastadas e abandonadas. Outras tantas nem existem mais, foram demolidas para dar lugar a obras. Essa situação é evidenciada pelo abandono e descaracterização de inúmeros imóveis, como a Residência Bittencourt (1955) e a Casa Coelho (1965). Estas casas advém do que é conhecido como “Arquitetura Moderna Tradicional”, mas, além disso, houve uma vertente contemporânea ao modernismo intitulada “Raio-que-o-parta”, um movimento popular utilizado pelos cidadãos menos abastados e que queriam participar dos novos símbolos que instauraram-se no Brasil. O que presencia-se em Belém é a constante invisibilização e apagamento desses estilos históricos de construir.


O estilo arquitetônico contextualiza - por meio das suas características - determinada época da sociedade. Os edifícios característicos da Arquitetura Moderna começam a aparecer nos anos de 1930 na capital paraense. Essa nova roupagem da cidade vinha junto ao anseio de reviver todo o aspecto glorioso e áureo experienciado durante o ciclo da borracha, e trazer de volta uma autoestima que por vez havia sido mortificada com o declínio da economia que instaurou a Belle Époque na Amazônia. Um dos grandes responsáveis por essa transformação arquitetônica foi o engenheiro e arquiteto Camilo Porto de Oliveira, juntamente com a criação do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA).


Foto: Revista Belém 350 anos
Foto: Revista Belém 350 anos

“Esse processo de modernização ocorreu e, aqui, a gente tem isso muito claro a partir da década de 30. Portanto, essa arquitetura que foi produzida a partir daí tem um valor inestimável, porque ela fez parte exatamente do processo de transformação da cidade nesse momento. Então ela precisa ser vista, conhecida e reconhecida a partir, principalmente, do valor que ela tem pra história da cidade”, afirma Celma Chaves, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA.


Celma Chaves é coordenadora do Laboratório de Historiografia da Arquitetura e Cultura Arquitetônica (Lahca), que pesquisa desde 2010 os desdobramentos do moderno na cidade de Belém. Além de realizar pesquisas acadêmicas, o Lahca é responsável por diversas iniciativas de letramento patrimonial e divulgação da arquitetura moderna na capital. O laboratório, coordenado por Chaves, foi responsável pela criação do website “Morar Moderno”, que mapeia as edificações modernas da cidade, inserindo endereço, ano de construção e o responsável pela construção. Por falta de investimentos, o site, que servia de consulta pública e democratização do acesso a essa discussão, encontra-se fora do ar.


O desprezo por essa história é comprovado pelo desconhecimento da população sobre essa arquitetura. A inação do governo também tem ampla participação e agrava ainda mais o abandono.


Foto: Acervo Lahca/Rebeca Dias
Foto: Acervo Lahca/Rebeca Dias

Segundo Celma, o poder público não promove ações de conscientização e tampouco interfere na manutenção dessas obras de forma direta e preocupada. Celma Chaves conta que ao identificar uma das casas construídas por Camilo Porto ainda habitadas, teve que moldar a confiança dos moradores para convencer que não pertencia a nenhum órgão público de regulamentação de patrimônio, pois a mentalidade dos moradores é de que um imóvel tombado é “engessado” e impossibilitado de alterações, quando, na verdade, não funciona bem assim.


 

Legislação e o poder público


O tombamento é um instrumento inicial para o reconhecimento e preservação de um bem histórico material para determinada sociedade. Pode ser feito tanto pelo âmbito municipal e estadual, como federal. Instituído pelo Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937, o processo de tombamento é possível de ser iniciado pela sociedade civil, a partir de dados e informações sobre a construção. Apesar do viés de preservação, o tombamento não impede reformas e manutenções em edificações desde que sejam previamente consultadas por um profissional.


Outro agente fundamental para o pleno funcionamento social é o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR). O CAU Pará é responsável pela fiscalização do exercício profissional dos arquitetos e urbanistas e, juntamente, com os órgãos de regulamentação de obras tombadas, como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN), Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Pará (Dphac/Secult), além da Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel), atuam no processo de tombamento de obras e averiguação das reformas e intervenções em patrimônios históricos.


De acordo com Taynara Gomes, atual Presidente do CAU/PA, o conselho ainda é uma autarquia muito limitada em nível de fiscalização, visto que possui uma equipe muito pequena atuando. Diante desta dificuldade, o conselho promove o programa “CAU pelo Pará”, que fiscaliza a atuação de arquitetos e urbanistas, regula e fomenta a construção de projetos pelos interiores do estado, além da valorização desses profissionais.


Taynara afirma que é muito recorrente divergências entre o projeto da obra registrado no conselho e a execução da construção em si, a qual deve ser acompanhada por órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio. Muitas vezes ocorrem alterações no caminho, ocasionando descaracterizações e um vácuo entre a aprovação do projeto e seus desdobramentos, situação que explica as discordâncias nas restaurações de arquitetura moderna.


A presidente do CAU também salienta que, diante destas situações, é possível que haja denúncias para investigação sobre a responsabilidade legal das irregularidades ou através das fiscalizações. O problema começa quando muitas vezes a sociedade não denuncia por nem mesmo saber identificar construções modernistas e seu valor histórico, diante dos poucos incentivos para o conhecimento dessa cultura arquitetônica.


 

Revertendo ignorância, promovendo conscientização


O Laboratório de Historiografia da Arquitetura e Cultura Arquitetônica (Lahca) é responsável por inúmeras iniciativas para reverter a ignorância sobre o tema. Os integrantes do laboratório promovem ações sociais de educação patrimonial, como feiras educativas em praças públicas que utilizam cartazes com o intuito de conscientizar e explicar a Belém Moderna que pulsou no século passado. Além disso, o Lahca mapeia rotineiramente as construções modernistas ainda presentes na região, resultando num mapeamento preciso desses locais, pois muitos ainda têm sua autoria desconhecida.


Foto: Julio Negrão
Foto: Julio Negrão

No Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Pará (CAU/PA), um meio de fomentar a preservação do modernismo no estado foi a criação da Comissão Temporária de Patrimônio, tendo como principal frente a Arquitetura Moderna, com o intuito de dar suporte ao conselho nesse cenário. A identidade visual do CAU no Instagram possui elementos modernistas, usando da cultura popular “Raio-que-o-parta”, vertente do modernismo que rendeu diversas edificações para o cenário urbano.

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